Título original: The treatment of intramedullary osteomyelitis of femur and tibia using the Reamer – Irrigator – Aspirator system and antibiotic cement rods

Autores: N. Kanakaris , S. Gudipati , T. Tosounidis , P.Harwood , S. Britten , P.V. Giannoudis  From Leeds Teaching Hospitals NHS Trust , Leeds , United Kingdom .

Fonte: The Bone Joint Journal 2014; 96-B:783-8

Comentários: Dr. Carlos Augusto Finelli

Assistente do Grupo de Trauma e pós graduando do DOT/EPM/UNIFESP;

Preceptor do Grupo de trauma do HMAG-Osasco;

Preceptor da Residência e Chefe do Grupo do Trauma do HMCC -Tatuapé.

Abstract: Intramedullary infection in long bones represents a complex clinical challenge, with an increasing incidence due to the increasing use of intramedullary fixation . We report a prospective case series using an intramedullary reaming device, the Reamer – Irrigator – Aspirator (RIA) system, in association with antibiotic cement rods for the treatment of lower limb long bone infections. A total of 24 such patients , 16 men and eight women , with a mean age of 44,5 years (17 to 75) , 14 with femoral and 10 with tibial infection, were treated in a staged manner over a period of 2,5 years in a single referral centre. Of these, 21 patients had had previous surgery, usually for fixation of a fracture (seven had sustained an open fracture originally and one had undergone fasciotomies). According to the Cierny-Mader classification system, 18 patients were classified as type 1A, four as 3A (discharging sinus tract), one as type 4A and one type 1B. Staphylococcos species were isolated in 20 patients (83,3%). Local antibiotic delivery was used in the form of impregnated cement rods in 23 patients. These were removed at a mean of 2.6 months (1 to 5). Pathogen – specific antibiotics were administered systematically for a mean of six weeks (3 to 18). At a mean follow-up of 21 months (8 to 36), 23 patients (96%) had no evidence of recurrent infection.

One underwent a planned trans-tibial amputation two weeks post-operatively due to peripheral vascular disease and chronic recalcitrant osteomyelitis of the tibia and foot. The combination of RIA reaming, the administration of systemic pathogen-specific antibiotics and local delivery using impregnated cement rods proved to be a safe and efficient form of treatment in these patients.

 

Comentários:

Esse artigo em sua introdução reforça um consenso na literatura da importância de realizar um diagnóstico microbiológico através de amostras de tecido endomedular retirado pelo fresamento do canal, associado à exaustiva irrigação e desbridamento de fístulas e partes moles comprometidas. A antibiótico terapia sistêmica e local representam um segundo pilar do tratamento.

Em 2003 foi disponibilizado um sistema que além da fresagem, também permite a irrigação e a aspiração do conteúdo intramedular simultaneamente, o RIA – reamer-irrigator-aspirator system (Synthes, Inc. West Chester, Philadelphia). Originalmente idealizado para retirada de enxerto autólogo em grande volume, logo foi estendido seu uso para desbridamento e irrigação do canal medular em casos sépticos ou oncológicos. Isso foi mostrado em alguns trabalhos com fresagem RIA, sem antibiótico local (haste/fio), porém com resultados semelhantes ao da literatura no tratamento com métodos convencionais, ou seja, fresamento convencional, abertura de janela óssea para saída do produto de fresagem, seguido de introdução de haste/fio antibiótico.

Pacientes e métodos: foram 24 pacientes adultos apresentando osteomielite dos ossos longos tratados com sistema RIA e acompanhados por um período médio de 2 anos e meio. Pacientes com canal medular mensurado menor que 10 mm foram excluídos devido a cabeça de fresa do RIA ter diâmetro igual e superior a 12 mm. O Sistema RIA foi utilizado com mínimo de 6 litros de soro fisiológico e combinado com um filtro coletor do produto fresado enviado para cultura e antibiograma. Foi usada cabeça de fresa 1,5 mm superior a largura do canal previamente mensurado. O cimento antibiótico foi preparado misturando-se um pacote de cimento industrializado que já contém antibiótico (40g de cimento +0,5g de gentamicina), adicionando mais 2g de vancomicina.

O seguimento e monitoramento do tratamento deram-se através de marcadores infecciosos (hemograma e proteína C reativa), radiografias e exame físico.

Como resultado, em 20 pacientes, o cimento antibiótico foi removido, dois pacientes se recusaram a retirar e em um a equipe não conseguiu retirar. O autor cita em que o único caso em que foi usado o RIA sem cimento antibiótico, houve retorno dos sinais infecciosos (dor , elevação dos marcadores bioquímicos e febre) após um ano de tratamento.

Os autores reconhecem a limitação do estudo por alguns fatores: primeiro, como foram 5 cirurgiões envolvidos, houve variações das técnicas de retirada e também na confecção e preparo da haste antibiótico. Segundo, a idade, etiologia e comorbidades dos pacientes foram muito variadas. Terceiro, a média de seguimento que variou entre 3 e 36 meses , não foi suficiente para avaliar a recorrência da osteomielite. Por fim, a falta de randomização, onde seria necessária a comparação com estudos já publicados (fresagem convencional com cimento antibiótico, fresagem com RIA sem cimento antibiótico). Esses apresentaram os mesmos bons e ótimos resultados desse estudo que conclui que o sistema RIA representa um valioso método de desbridamento e irrigação do canal medular infectado assim como a coleta de grande quantidade de material para análise.

Discussão: desde a descrição inicial do desbridamento endomedular  para tratamento de osteomielite dos ossos longos na década de 80, as  fresas convencionais mais a haste antibiótico tem sido amplamente utilizadas com índice  de sucesso variando de 52 a 100% . Entretanto a abertura de janela óssea adicional na região diafisária distal ou metafiária visando a saída do produto de fresagem resulta em exposições adicionais e aumento da morbidade local e, além disso, parece que nem todo o conteúdo infectado consegue ser expulso.

Outro fato bastante controverso na literatura é em relação ao cimento antibiótico, desde a quantidade ideal de antibiótico a ser adicionado, tempo de liberação desse antibiótico no canal medular e tempo para a retirada, até o resultado de trabalhos recentes que mostram o crescimento de biofilme no próprio cimento impregnado com antibiótico e a não liberação deste “produto” pelo FDA Americano.

Também em relação aos tipos e métodos de fresagem, a literatura é pobre e escassa com trabalhos de evidência científica baixa, mostrando poucos casos e sem comparação entre métodos e técnicas. Um dos motivos dessa falta de informações deve-se a dois principais fatores: a maioria desses trabalhos é realizada em centros desenvolvidos como Estados Unidos da América e Europa e, a quantidade de casos infectados pós osteossíntese com haste intramedular nesses locais variam entre 0,5 a 1% (índice baixo).

Por outro lado sabemos que a quantidade de osteossíntese com haste intramedular bloqueada em fraturas de fêmur e tíbia realizadas em países em desenvolvimento e bem mais populosos tem crescido assustadoramente, e o pior é que não temos nenhum dado sobre o índice de infecção desses casos.

Pensando em tudo isso é que há 2 anos iniciamos um projeto de pesquisa sobre esse assunto, comparando dois métodos de fresagem (Fresagem convencional + haste antibiótico x Sistema RIA somente), onde além de enviarmos o produto de fresagem para cultura e antibiograma, enviamos também a haste e o fio/haste antibiótico para a sonicação (método que permite o “descolamento” da bactéria do biofilme e maior sensibilidade na identificação do patógeno quando comparado ao do tecido). Já temos 40 casos operados, com resultados preliminares interessantes e pouco diferentes dos apresentados até agora pela literatura, que acreditamos irá ajudar a entender e melhorar o tratamento da osteomielite pós-haste intramedular.